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002. Vida de Mário Ferreira dos Santos

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A história do pensador que recusou a mediocridade e o dinheiro fácil para dedicar a vida a um ideal: construir uma cultura acessível para todos os brasileiros.

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jun 18, 2025
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002. Vida de Mário Ferreira dos Santos
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Se você tem interesse em estudar a obra de Mário Ferreira e não sabe por onde começar, quais livros deve ler e não tem muito tempo disponível, clique no botão abaixo e tenha acesso a um guia completo da obra de Mário Ferreira dos Santos ↓

QUERO SABER MAIS SOBRE ESSE GUIA


Sumário

  • Porto Alegre: Um Período de Transição e Descobertas

  • São Paulo: A Conquista do Mercado Editorial Brasileiro

  • Um Professor Incansável: A Missão de Despertar Mentes

  • A Questão Libertária: Em Defesa da Liberdade Humana

  • O Pensamento Filosófico: Construindo uma Nova Visão de Mundo

  • Os Últimos Anos e o Legado: A Descoberta de um Gigante

Porto Alegre: Um Período de Transição e Descobertas

Após perder uma sólida posição econômica, Mário Ferreira dos Santos mudou-se para Porto Alegre, iniciando uma nova e desafiadora etapa de sua vida. Foi nesse período de dificuldades que o amigo Eliezer Demenezes o acolheu e o introduziu nos círculos intelectuais da cidade, apresentando-o aos diretores da Livraria do Globo. Ali, ele conheceu figuras proeminentes como Mário Quintana, Érico Veríssimo e Athos Damasceno Ferreira.

Entre 1943 e 1944, a Livraria do Globo o contratou para a tradução de obras monumentais, como Vontade de Potência de Nietzsche, Pensamentos de Pascal e A Fisiologia do Casamento de Balzac. Foi nessa época que nasceu seu grande sonho: redigir um dicionário de filosofia, um projeto que ele finalmente publicaria em 1963.

Seu profundo interesse por Friedrich Nietzsche, que o acompanharia por toda a vida, nasceu de uma forma curiosa. Em meio a uma discussão, Mário referiu-se ao filósofo alemão como um “louco”. Seu interlocutor, surpreso, perguntou se ele ao menos o havia lido. Diante da negativa, foi aconselhado a primeiro conhecer a obra para depois tecer uma crítica. Mário seguiu o conselho, e sua opinião mudou completamente. Este episódio, ocorrido por volta de 1935, forjou nele um princípio fundamental: nunca mais se referir a um autor sem antes ler sua obra, de preferência no original. Ele percebeu que as traduções e os críticos muitas vezes distorcem o pensamento original, uma constatação que se aprofundou quando ele mesmo se tornou tradutor.

A tradução do título Der Wille zur Macht para Vontade de Potência, e não a literal A Vontade para o Poder, gerou controvérsias, mas Mário justificou sua escolha no prefácio da obra. A dificuldade com a língua alemã, que aprendera no ginásio, não foi um obstáculo; ele recomeçou os estudos com um professor particular para garantir a fidelidade de suas traduções.

Ainda em Porto Alegre, escreveu o ensaio filosófico Homem, animal que interroga. A Livraria do Globo, contudo, exigiu que a obra passasse pelo crivo de intelectuais. Um deles decretou que o livro seria um fracasso, afirmando que “brasileiro não lê filosofia”. Determinado a provar o contrário, Mário decidiu que publicaria a obra por conta própria, o que fez anos mais tarde sob o pseudônimo de Dan Andersen e com o novo título de Se a Esfinge Falasse. Foi essa percepção, a de que na capital gaúcha não conseguiria publicar suas obras filosóficas, que o impulsionou a buscar novos horizontes em São Paulo.

São Paulo: A Conquista do Mercado Editorial Brasileiro

Em 1945, Mário fixou residência em São Paulo, onde o mercado editorial se mostrava mais promissor. Após uma breve passagem pela Editora Flama, assumiu a direção da seção editorial da Editora e Distribuidora Sagitário. Lá, publicou uma vasta quantidade de livros, muitos de sua própria autoria, sob diversos pseudônimos como Max Sanders, Charles Duclos e Dan Andersen, para preencher o catálogo das coleções.

Apesar do trabalho intenso, as dificuldades financeiras eram grandes. Para suprir essa carência, ele iniciou a inovadora coleção “Cultura para Milhões”, uma espécie de “imitação à brasileira” dos pocket books. Publicados em papel-jornal e com acabamento simples pela Editora Edigraf, os livros podiam ser vendidos a preços acessíveis, democratizando o acesso ao conhecimento.

Nesse período, uma proposta tentadora surgiu: um executivo de uma firma cinematográfica norte-americana ofereceu-lhe um emprego bem remunerado para escrever roteiros de filmes. Mário recusou. Sua justificativa revela o cerne de sua filosofia de vida:

“...Sei que no mundo dos negócios poderia eu ter um destino melhor. Mas sou daqueles poucos e raros que valorizam o ser e não o ter.”

Ele jamais quis se vincular a grupos ou facções para não comprometer sua independência intelectual. Rejeitou propostas para escrever livros de valor duvidoso em troca de ganhos fáceis, como desabafou em uma carta:

“Minha situação [...] era desesperadora. Estava às portas de escravizar-me para o resto da vida a um homem, comerciante, frio, calculista, vantagista, que, aproveitando-se da minha situação, impunha-me a escravidão [...] através de um contrato em que deveria escrever, com pseudônimos vários, livros medíocres para que ele editasse. Você sabe quão afrontoso para mim seria isso! Você sabe que ideal de cultura tenho eu, quanto desejo poder contribuir, na medida de minhas forças, pela cultura de nossa gente.”

A vontade de ter sua própria editora era a única saída, mas faltava-lhe o capital. A narrativa de sua primeira entrevista com um grande editor paulista tornou-se emblemática de sua luta. O editor, embora educado, deu a entender que era um absurdo editar filosofia num “país de analfabetos” e disse francamente:

“O Sr., para editar um livro de filosofia no Brasil, precisa ter muito dinheiro, porque tem que financiar a obra. Depois, o Sr. não tem leitores; se conseguir vender algum exemplar, será a custo de uma publicidade muito grande, porque não há leitores.”

A resposta de Mário foi um desafio lançado a si mesmo: “Pois vou fazer uma experiência com o meu próprio esforço”. E ele fez. Fundou uma editora “sem um tostão de capital”, usando apenas o crédito, e pagou a primeira edição em 30 dias, muito antes do vencimento de 90 dias. Sem publicidade e sem pedir favores, ele confiou no leitor brasileiro:

“Aguardei apenas que o povo brasileiro tomasse o meu livro, o lesse e fizesse a propaganda por si próprio. E fez. E as minhas obras venderam. Eu editei oitenta e tantos livros em quatorze anos, com cerca de trezentas edições.”

Em 1953, fundou a Livraria e Editora Logos, cujo propósito era claro: “publicar apenas obras culturais”. Para contornar a má vontade das livrarias em vender filosofia, ele criou um sistema pioneiro de venda a crediário, de porta em porta. Contra todas as previsões de fracasso, a iniciativa foi um sucesso, permitindo reedições em poucos anos e difundindo a cultura por todo o interior do país.

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Um Professor Incansável: A Missão de Despertar Mentes

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